Psicopedagogo Francesco Tonucci fala sobre questões importantes no contexto da educação.
http://vimeo.com/53619122
Bebês em questão
Blog dedicado às questões relacionadas aos bebês, maternidade e paternidade!
segunda-feira, 12 de maio de 2014
sexta-feira, 21 de março de 2014
A psicanálise no berçário. Uma intervenção impossível.
Karina F. Bonalume Freire
Supervisão: Paulina Rocha
Texto apresentado do congresso da ABEBÊ (Associação de estudos sobre o bebê em Brasília)
Desde
sua fundação o Espaço Singular, como o nome singular já anuncia, tem a difícil,
se não impossível tarefa, de articular a prática pedagógica ao saber psicanalítico. Como diz Freud, são três as tarefas
impossíveis: governar, psicanalisar e educar. Estamos entre elas. Acompanhamos
as principais fases da constituição psíquica, uma vez que recebemos crianças de
três meses a cinco anos.
Cuidamos
de bebês e de crianças muito pequenas, tentando unir este dois saberes para que
deem voz aos que não podem dizer, aos que são falados pelo outro, mas que nem
por isso estão excluídos da linguagem.
Mais
do que tentar impor um saber psicanalítico sobre o saber pedagógico, tentamos usar
a psicanálise enquanto alicerce para melhor acolher os sujeitos que em sua
articulação formam o ambiente escolar: bebês, crianças muito pequenas, pais e equipe
interdisciplinar (pedagogos, educadores, T.O, psicanalista, fisioterapeuta e
auxiliar de enfermagem). Sustentamos que a prática pedagógica seja evidenciada,
e não pretendemos transformar os educadores em psicanalistas. A psicanálise funciona
como o que forma e sustenta a rede de escuta institucional.
A escuta desta prática e de toda a articulação institucional pode dar lugar a
fala ao invés do agir.
De
origem francesa, a palavra “creche” significa manjedoura. Abrigos para bebês, criados
na França do século XVIII, a partir da necessidade das mulheres complementarem
a renda familiar. Desta forma as creches
nasceram de uma necessidade socioeconômica e mantém este status até o momento. Atualmente
as famílias deixam bebês em creches sustentadas pelo estado, ou em instituições
particulares, que denominam-se berçários e em que pretende-se cuidar do infans e educá-lo.
Como
localiza Jerusalinsky em seu texto, Falar uma Criança, o ato educativo não se
restringe de forma alguma aos professores, mas abrange todos aqueles que em sua
prática se valem de indicações, de um saber constituído que se tem de pedir ao
outro. Contudo, há algumas disciplinas, que ficam no meio do caminho, entre o
educativo e o médico, ou entre o psicanalítico e o educativo, como a
psicopedagogia clínica.
Ainda
segundo o autor não há de se ensinar um bebê, transmite-se a ele. Jerusalinsky
define transmitir como operar de modo que o outro se aproprie de algo que já
está feito, em oposição ao ensinar, que define como construir algo que se supõe
como não feito.
Mas
o que dizer da escola de bebês que também deve se situar neste meio caminho,
entre a família e o mundo? Como transmitir algo a um bebê, quando o vínculo da
educadora se dá pela identificação com a função e não com a criança em
particular? Ao pensar a escola, pensamos em crianças e sua permanecia nela irá
marcar o tempo da infância, tempo este que se estende com a entrada cada vez
mais precoce de bebês no ambiente escolar.
Ainda
em seu texto Falar uma Criança (1997), Jerusalinsky coloca algumas observações
importantes. Mães falam com seus bebês, mesmo que entendam que os bebês não
entendem o que dizem. Se não o fazem, se não falam com seus bebês, o autor
deixa claro, entendemos que algo vai mal. Mas então, coloca o autor, se sabem
que seus bebê não compreendem exatamente o que dizem, para que lhes falam? Falam porque supõem ali
um sujeito e dão significado `as suas vivências.
Sua
segunda observação é a de que os bebês são colocados em uma série, em que os
que falam este bebê, cuidadores ou a mãe, lhes situam em um tempo entre o que
aconteceu antes e o que se supõe o que acontecerá depois. “Uma senda de
significações”.
E
terceira observação é a de que nada que o bebê faz é tomado como tal, seus
gestos são interpretados e falados pelo cuidador. O que situa os bebês no campo
da linguagem, apesar de não falarem. O outro oferece a fala ao bebê.
A
possibilidade de se ter um psicanalista que circule pela escola e escute o que
todos tem a dizer enriquece o ambiente escolar. Nesta escuta, o psicanalista
tenta articular o saber pedagógico com o
lugar que o sujeito falante ou no nosso caso, muito frequentemente, não falante,
ocupa.
Um
gesto de uma criança, um olhar, as sonoridades, a atmosfera, tudo deve ser
levado em conta na manutenção do cuidado com os educadores, crianças e a interpretação a que se atribui ao cotidiano.
Recorte
de uma cena:
“Gabriela,
nome fictício, tem seis meses e está em
adaptação na escola. Chora muito quando as educadoras a colocam sentada no chão,
e apenas se acalma quando está no colo. A psicanalista observa a angustia das
educadoras que com Gabriela no colo, não conseguem cuidar dos outros bebês. Pega
Gabriela e a acalma em seu colo, sentada
no chão. Aos poucos coloca Gabriela sentada no chão ao lado dela e depois se
distancia lentamente, conversando com ela em um tom baixo e calmo. Com isso
Gabriela consegue se distrair e brincar por um tempo com os brinquedos. Mais
tarde vejo as professoras usando a mesma ‘tática’ com Gabriela, que com isso
consegue se adaptar. Primeiro ela passa a brincar com a mãozinha nas pernas da
professora e depois passa a se distanciar olhando a professora e por fim consegue
se distrair com os brinquedos”.
Segundo
Mariotto (2009), um ambiente enriquecido para o bebê de poucos meses é aquele
que se dá a partir do laço com o outro, e neste contexto o olhar e a palavra
devem ocupar postos privilegiados, colocando em evidência também a qualidade
deste outro.
Pensamos
que a construção deste laço tem sua continuidade na escola. Educadores se
tornam alicerces da constituição psíquica.
E é desta forma que a linguagem deve ser levada em consideração em toda
a extensão do discurso institucional.
No
trabalho com o bebê e com crianças muito
pequenas, esta articulação se faz possível e necessária uma vez que por não
estarem incluídos em uma rede simbólica, a escuta e as intervenções do
psicanalista auxiliam ao educador manter a cadeia de significações singular de
cada criança, seja falando pelo bebê, seja flexibilizando regras para que a
família e criança se sintam acolhidas no ambiente escolar. Flexibilizar rotinas
para que a cadeia singular família/bebê possa ser mantida até que o bebê cresça
e possa se adequar sem riscos `a forma
de operar de uma escola. Neste sentido a escola tem como função sustentar a
lógica parental sobre o bebê, uma vez que este é sustentado a partir desta
mesma lógica.
Desta
forma sustenta-se a singularidade de cada família e a escola se oferece como
uma nova experiência de relações sociais que não deixam de ser regidas pelo
conhecimento da constituição psíquica e desenvolvimento do bebê. Claro que não
iremos falar com um bebê como se fala com um adulto. Leva-se em conta o lugar
social e desenvolvimento do bebê.
Recorte
de uma história no plantão psicológico:
“Rafaela,
como a chamaremos aqui, entrou na escola
com dois anos. Muito agitada, batia em todos `a sua volta: em alunos, professores
e auxiliares. Após conversar com a mãe descobrimos uma família que organizava
pouco a rotina da criança.
Preocupada
solicito a psicanalista. Esta após observar a criança e conversar com a mãe, a
encaminhou para tratamento. A mãe contudo, procurou auxílio da psicóloga que
havia atendido sua filha mais velha anos atrás. A psicóloga foi categórica ao
dizer para a mãe e para a escola que a criança era muito pequena para ser
atendida. A partir desta fala a mãe passou a se mostrar resistente a qualquer
intervenção e Rafaela passou a ter crises de agressividade em sala de aula. Pais
de outras crianças chegaram a solicitar a saída da aluna junto `a coordenação
escolar. Diante deste quadro, a psicanalista decidiu estender o plantão
psicológico, isto é, acompanhar Rafaela e reservar momentos para estar apenas
com ela, por um período que podia se estender em até uma hora semanal durante
todo o ano letivo. Normalmente o plantão consiste em três observações da
criança e conversas/devolutivas para os pais. Em paralelo aos “atendimentos” de
Rafaela dentro dos muros escolares, sempre que possível, a psicanalista conversava com a mãe e com o
pai de Rafaela quando estes vinham buscá-la na escola. Desta forma nos foi
possível cuidar de Rafaela e dos pais e com isso formar um vínculo em que a
demanda de tratamento se fez possível.”
Enquanto
que em uma escola a tendência é a de unificar as demandas, a fim de facilitar a
rotina, o olhar do psicanalista e sua intervenção frequente junto `a educadora
em sala de aula, cria borda para que outros laços aconteçam. Porque é na
uniformidade que se dá o traço cultural, mas ele deve estar inserido sem que se
perca o traço singular de cada individuo. O social irá dar espaço `a cultura. A
partir das regras, abre-se espaço para a criatividade, lugar possível de
criação de novas coisas que a criança deve pertencer.
Contudo,
por mais que tudo funcione, que se ensine, a ausência das diferenças na
unificação de rotinas e procedimentos, lançaria a criança muito pequena na
angustia de perder o traço que a representa. Desta forma nada lhe seria
transmitido. Cabe ao psicanalista,
construir com a equipe institucional o
sentido de cada vivência. Muitas vezes pequenas intervenções auxiliam para que
a ritmicidade tão necessária neste momento aconteça de forma adequada.
Recorte
de uma cena:
“A
psicanalista chega a escola pela manhã, encontra um bebê de um ano e dois meses chorando muito. Aflita
a educadora explica que ele está fazendo birra porque um brinquedo não lhe foi
dado. Neste momento, a psicanalista acalmando o bebê, inicia um jogo de cadê/achou. A educadora,
retirada de sua aflição, consegue entrar no jogo. A psicanalista saí de cena
deixando os dois brincando. Mais tarde, informada sobre o ocorrido, reservo um
tempo para conversar com a educadora e falo sobre a importância para o bebê dos
jogos de esconder e seu papel fundamental na elaboração das representações para
o infante.”
Recorte
de uma cena onde a intervenção de um terceiro, pode fazer surgir o jogo de presença/ausência,
e que um ritmo no laço foi estabelecido onde o discurso se impunha: “Ele está
com birra”. Uma outra cena foi montada
entre educadora e bebê sem que nada tivesse que ser dito. Mas abriu-se a
possibilidade de uma reflexão sobre o ocorrido em um tempo a posteriori. Disto
um novo saber sobre os bebês pode se formar. Algo novo pode lhe ser
transmitido. Ao bebê e a educadora.
Segundo
Jerusalinsky, (1997) o falar da mãe com seu bebê e suas suposições e
interpretações sobre o bebê o insere no campo das significações. A mãe ao supor
algo sobre seu bebê supõe que este está referido a uma sequência de coisas que
tem sentido para ele, se chora, por exemplo, a mãe supõe que algo desta cadeia
se rompeu e busca um sentido para isto.
A
educadora, através da identificação com o trabalho, de sua própria escolha
profissional é convidada a sustentar este registro do bebê. Muitas vezes,
contudo, se perdem na sustentação de uma função, ou porque para aquele bebê, em
uma determinada situação, não lhes foi possível supor nada. O psicanalista
dará espaço para que neste limbo, algo se construa.
O
lugar social da criança na escola faz borda, dá contorno subjetivo na medida
que dá à criança um lugar social onde ela como sujeito pode ser falada por um
outro e escutada.
Desta
forma a escola pode vir a oferecer a criança a articulação entre dois eixos importantes
para o desenvolvimento, com três sequencias temporais. Via linguagem: Falar
(muitas vezes falar pelo bebê), ser ouvida e poder aguardar para o próximo
momento de fala. E na ação: Agir, esperar a próxima ação do adulto, para então
interagir. Eixos importantes que dão borda as angústias infantis. Uma escola
com esta dinâmica e todos os enquadres sociais que a organizam proporciona, ao
meu ver, uma educação terapêutica por si só. Contudo sua articulação com o
saber psicanalítico garante um lugar de escuta, de ritmo, em que o discurso e
interação possam aparecer.
O
lugar do psicanalista nos corredores, no portão, em sala, em plantões de
atendimento dá espaço para que o discurso deslize em diversas direções, seja no
olhar do bebê, seja no discurso da educadora ou
dos pais.
Kupfer
(2000) afirma que para Lacan, o discurso é o que faz o laço social estruturante
por atrelar o falante ao Outro. A autora afirma que, desta perspectiva o educar
insere a criança na linguagem, tornando-a capaz de produzir discurso,
dirigindo-se ao outro e fazendo com isso laço social.
A
escola é o lugar social de toda e qualquer criança. A escola lhes dá abrigo
social e uma identidade, exatamente porque podem construir discurso sobre suas
ações.
Desta
forma para além da prevenção, a inserção da psicanálise nos corredores
escolares deve ser entendida em sua função primordial, atrelar, fazer valer o
sujeito ao seu discurso.
Não
importa qual o sujeito que fala: Os pais ao deixarem seu bebê, a educadora que
o acolhe, a gestora ou o porteiro da escola. Ter um lugar de fala, poder ser
escutado, marca no espaço institucional
o compromisso com o que se diz e faz, mesmo que muitas coisas, em uma
pré-escola sejam ditas pela linguagem não verbal.
“O
ato de educar está no cerne da visão psicanalítica de sujeito. Pode-se
concebê-lo como ato por meio do qual o Outro primordial se intromete na carne
do infans, transformando-a em
linguagem. É pela educação que um adulto marca seu filho com marcas do
desejo;.” (Kupfer, pag. 35)
Desta
forma ao educar, fazer valer o desejo da cultura de que crianças aprendam e
cresçam, insere a criança por si só em
um lugar de identidade. Lugar de criança. Contudo o olhar do psicanalista irá
prevenir que os bebês, que hoje também tem seu lugar social na escola, não se
percam onde tudo é social e se encontrem em sua singularidade no olhar atento
de uma educadora, que cuidada, pode
cuidar. Que ao dizer, pode dar sentido ao não dito. Que ao falar, poderá dizer algo sobre sua
relação particular com cada bebê.
Quando
há uma questão no laço entre educadora e bebê ou entre a mãe e bebê, o
psicanalista, que neste sentido representa a escola, pode agir como um terceiro
que monta outra cena, ajudando, por exemplo a significar uma dificuldade sem
que as famílias sejam expostas ao saber pedagógico em que se sabe o que é
melhor para o bebê. Poder ouvir sem
jugar, da contorno e sustentação para que a rede familiar em sua singularidade se sustente na escola, em
uma construção permanente e que deve ser cercada de muito carinho.
REFERENCIAS
BIBLIOGRAFICAS
JERUSALINSKY,
Alfredo. A escolarização de crianças
psicóticas. Estilos da Clínica. Revista Sobre a Infância com Problema. São
Paulo: Pré-escola lugar de vida, 1997.
___. Falar uma criança. Revista Escritos da Criança, n. 1, Centro
Lydia Coriat de Porto Alegre, Porto
Alegre, 1997.
KUPFER, Maria
Cristina Machado. Educação para o
futuro. 2a ed. Psicanálise e Educação. São Paulo: Escuta, 2001.
MARIOTTO, Rosa
Maria Marini. Cuidar, educar e prevenir:
as funções da creche na subjetivação de bebês. Infância e Psicanálise. São
Paulo: Escute, 2009.
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
Quando procurar o atendimento psicológico para gestantes ou atendimentos para mães e seus bebê?
Pouco
se fala sobre os atendimentos psicológicos de mães e seus bebês. Mas eles
exitem e podem ajudar muito neste momento em que a maternidade está sendo construida.
A
gestação, a chegada de um membro novo em uma família muda todo o seu contexto.
O bebê chega e mexe afetivamente com todos os que o recebem.
Às
vezes as coisas são mais tranquilas, tudo corre como o planejado, mas também
podem acontecer algumas dificuldades nesta etapa tão delicada na vida do recém
chegado e de seus familiares.
No momento da gestação e do pós
parto a mulher irá experimentar um estado psíquico único, muito diferente do
seu estado habitual. A adaptação da família ao novo bebê pode gerar mudanças no
equilíbrio habitual da mulher ou do casal.
A mulher pode não se sentir tão
feliz, como pensa que deveria se sentir, podendo até atingir um estado de
depressão durante a gestação ou nos primeiros meses de vida da criança.
Alguns problemas ao longo do caminho
como detecção de problemas fetais, perdas gestacionais, dificuldades no
processo de adoção e dificuldades com o bebê interferem na maneira como o papel
da maternidade será desempenhado e por consequência em sofrimento para a mãe e
para o bebê.
Neste contexto um profissional
especializado poderá dar suporte a rede familiar e ajudar para que esta etapa
da vida possa ser vivida de forma mais tranquila, amenizando o sofrimento da
mãe e do pequeno que acaba de chagar.
Normalmente o tratamento consiste em
poucos atendimento em que se busca identificar a origem do sofrimento, com o
objetivo de tornar o processo da maternidade mais traquilo e harmonioso.
É importante ressaltar que a mulher
pode e deve procurar ajuda especializada quando sente que algo não vai bem. Mãe e bebê devem ser acolhidos com o carinho e
cuidado tão necessários neste momento da vida.
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
A Interdisciplinaridade no Espaço Singular
Desde sua fundação em 2006, o Espaço Singular se propõe a
cuidar de bebês e de crianças muito pequenas a partir de uma rede
interdisciplinar, composta por psicólogos, psicanalistas, terapeuta educacional,
fisioterapeuta, pedagogos, enfermeiras e educadores. Somos uma escola
construtivista em que esta rede de conhecimento se faz presente para amparar o
ato educativo, as crianças e suas famílias na construção do conhecimento.
Esta equipe interdisciplinar participa do
cotidiano das crianças e suas famílias na escola e forma os educadores no
sentido de um olhar mais sensível para as reais necessidades das crianças. Com esta formação todos os educadores podem
levar em consideração a singularidade de cada aluno.
Mais
do que tentar impor os diversos saberes sobre o saber pedagógico, tentamos usa-los
enquanto alicerce para melhor acolher todos que em sua articulação formam o
ambiente escolar: bebês, crianças muito pequenas, pais e equipe. Sustentamos
que a prática pedagógica seja evidenciada e que haja uma constante reflexão de
sua prática.
Um
gesto de uma criança, um olhar, as sonoridades, a atmosfera, tudo deve ser
levado em conta na manutenção do cuidado com os educadores, crianças e a interpretação a que se atribui ao cotidiano
escolar.
Entendemos
que um ambiente enriquecido para a criança pequena é aquele que se dá a partir
de bons encontros, e neste contexto o olhar e a palavra devem ocupar postos
privilegiados, colocando em evidência também a qualidade deste encontro. Desta
maneira podemos, mais que ensinar, transmitir `as crianças. Construir com elas
e suas famílias, conhecimento de qualidade e com profundidade em uma
construção permanente que deve ser cercada de muito carinho.
terça-feira, 30 de julho de 2013
Representações precoces do bebê adotado de sua mãe
Texto da querida Rubia Infante, ex estagiária de psicologia do Espaço Singular, que acaba de terminar seu mestrado na frança. Quanto orgulho...
Diálogo entre Rubia Infante e
Karina Bonalume Freire
É necessário saber como surgiu este texto. A
partir de um diálogo entre duas psicólogas sobre um caso clínico em que uma
criança que a mãe morreu dois dias após o parto, adotada atualmente com 20
meses começa a pronunciar as suas primeiras palavras. Põem-se as seguintes
questões: A criança de aproximadamente dois anos é capaz de representar a sua
mãe biológica (perdida dois dias após o parto)? E ainda, essa criança
representa a sua mãe adotiva? Outra questão mais abrangente é também pertinente
para situarmos as capacidades do bebê: O bebê é capaz de representar as duas
mães, a biológica e a adotiva?
Através deste texto, me proponho tentar responder
às três questões a fim de adquirirmos uma ideia global sobre as representações humanas
do bebê. Entretanto, existe pouca teoria sobre os pontos de vista do bebê. Pelo
fato dele não apresentar sua versão em forma de palavras, é difícil de afirmarmos
algo a seu respeito. As respostas às questões se baseiam em interpretações do
que já se foi estudado sobre esta população.
De fato, o bebê é atualmente alvo de muitos estudos. A
partir da observação de bebês nos anos 60 e 70 (em 1963, Esther Bick, com o seu
método de observação de bebês, em 1968, Spitz, descreve três etapas importantes
no desenvolvimento do bebê, em 1973, Brazelton, com a sua escala « Neonatal de Avaliação Comportamental » e em 1978, Bowlby com a sua
teoria do apego) o bebê passou a ser o tema de muitas pesquisas. A partir deste
momento, o bebê é percebido como um sujeito ativo, com intenção e
personalidade. Nesta mesma época
(1976-1978), Françoise Dolto, psicanalista francesa responde em uma emissão de
radio, « Lorsque l’enfant paraît », diversas cartas enviadas pelos
auditores em torno da criança. Ela defendeu ao longo da sua carreira a ideia
que o indivíduo é um sujeito desde bebê. A psicanalista enfatizou a importância
do adulto se dirigir através da fala à criança, o que contribui para a construção
do seu pensamento (Dolto, 2007).
O bebê
precisa do outro para se desenvolver e para expressar as suas emoções. Sabe-se
que muito antes das primeiras palavras, o bebê tem a intenção de compartilhar
momentos com o outro. O bebê é um ser ativo e pronto para a relação (Gratier,
2001; Trevarthen, 1999). Este pequeno ser é muito capacitado, ele representa os
objetos durante o primeiro ano de vida, o bebê
adquire esta capacidade, com 3 meses e meio, ele sabe que um objeto é escondido
atrás de alguma coisa, com 7 meses e meio, ele sabe que um objeto é dentro de
uma caixa, por exemplo, e aos 12 meses, o bebê pode procurar o objeto escondido
(Baillargeon, 1993). Bebês de somente 6 a 8 meses tem a representação dos
números, eles correspondem de 2 a 3 sons a 2 a 3 imagens, eles realizam uma
tarefa intermodal, eles associam o auditivo ao visual. O conceito do número está ligado à
linguagem. Entre 24 meses a 30 meses, é quando ele começa discriminar na língua
o singular do plural, ele adquire o conceito do número 1 como oposto dos outros
(Wynn, 2000). Ele representa objetos, números, mas, o que é afinal representar?
Representar é tornar sensível (um objeto ou uma coisa abstrata) em meio de uma
imagem ou de um sinal e, também, é um processo pelo qual uma imagem é apresentada
aos seus membros (Robert, 2003). E como se faz para representar, de re-apresentar
uma pessoa?
Nosso objetivo é de obter respostas sobre as
representações humanas, mais especificamente da mãe do bebê adotado. Para isso,
este trabalho é repartido em três eixos. Em um primeiro eixo, abordarei a
maneira pela qual o bebê representa a sua mãe biológica, segundo suas
impressões sensoriais, em um segundo eixo, abordarei a maneira pela qual o bebê
representa um substituto, a sua mãe adotiva, e o último eixo, apresentarei de
uma maneira mais global a maneira pela qual o bebê representa as duas
realidades, de uma mãe « perdida » e da mãe substituta.
Representação da mãe biológica
A mãe deixa marcas no aparelho psíquico do
bebê. Mesmo que a mãe biológica morra depois de 2 dias após o parto, o bebê
teve tempo suficiente para tornar presente a sua mãe. Essa, falou com o seu
filho (às vezes até mesmo durante a gravidez).
Conforme os estudos dos anos 80, DeCasper e
Spence, mostraram que os bebês preferem o conteúdo que eles ouviram durante a
gravidez. O feto é sensível ao seu meio ambiente e em particular ao ambiente
auditivo. Durante o último trimestre de gravidez, a fala se torna claramente
audível e pode ser tratada pelo feto (Querleu & Renard, 1981).
O bebê prefere escutar o que lhe é familiar.
Ele é capaz de reconhecer a voz da sua mãe desde o nascimento e a prefere entre
as outras vozes. O bebê é sensível à fala materna e também às emoções. Graças à
sua capacidade de percepção, o bebê compreende por associações internas o
estado emocional de uma pessoa, aquisição essencial no mundo real para uma
aprendizagem correta das competências sociais e empáticas (Mastropieri &
Turkewitz, 1999). O recém-nascido é assim capaz de diferenciar o conteúdo
emocional trazido por uma voz feminina (tristeza versus felicidade), mas unicamente se esta voz se exprime na sua
língua materna (Mastropieri & Turkewitz, 1999).
A voz e a língua materna são fatores muito
importantes para que a criança possa reconhecer o que lhe é familiar. Mas, o
bebê é sensível à maneira como a mãe se comporta com ele, se a sua mãe responde
de uma maneira adequada às suas vocalizações, o bebê aprende novas formas
vocais, mas se ela não responde de forma adequada, o bebê não aprende. Isto
mostra que existe uma influência do comportamento da mãe no aprendizado da fala
do bebê (Goldstein e Schwade, 2008). A mãe é uma figura essencial no
desenvolvimento psico-emocional-cognitivo da criança. Porém, assim
como constatou Winnicott (1969), a mãe pode odiar seu feto desde o começo. E
existem mães que conseguem adaptar às necessidades de um filho, mas não com o
outro. Isto pode ser um entrave para o desenvolvimento harmonioso do bebê.
Segundo
Winnicott (1956), ele ressalta a importância do relacionamento mãe-bebê em sua
etapa inicial, do bebê enquanto um ser independente. A mãe está numa condição
de sensibilidade extrema durante e principalmente ao final da gravidez. Este
período chamado de preocupação materna primária tem uma duração de apenas
algumas semanas após o nascimento do bebê e este estado é dificilmente
recordado pelas mães depois que o ultrapassam como se na memória, ele fosse
reprimido.
A mãe
seja ela biológica ou adotiva tem a capacidade para cuidar do bebê, ela pode
atingir este estado de preocupação materna primária, na medida da sua
capacidade de identificar-se com o bebê. Poderíamos supor que o bebê também
precisará identificar-se com a mãe adotiva para poder representá-la.
Representações da mãe adotiva
A mãe adotiva tem a tarefa de cuidar de alguém
que não é o seu fruto. Ela vai ser o substituto da mãe biológica. Contudo, o
seu objetivo é ter uma relação com a criança de forma mais natural possível. O
bebê se desenvolverá segundo a qualidade desta relação. De fato, o
desenvolvimento psicológico da criança pode ser descrito por etapas. Os
“organizadores” de Spitz são processos de transição. Conforme o autor, a
criança passa por transformações fundamentais permitindo ir de um estado ao
outro (Spitz, 1993). Um traumatismo durante uma transição terá consequências
específicas. Assim, uma ruptura afetiva durante um período de transição pode
acarretar graves consequências no desenvolvimento da criança. Se o nascimento
foi durante muito tempo considerado como um episódio traumático, principalmente
por Freud, não seria na verdade mais adequado afirmar que uma ruptura do
vínculo mãe e bebê, seria o acontecimento traumatizante?
Para tratarmos desse trauma, precisaríamos
entender melhor o que se passa com o bebê nos primeiros meses de vida. Durante
o parto, o bebê passa de um período de dependência total, literalmente
fusional, a uma obrigação de autonomia. Após o nascimento, a criança aprende a
se nutrir, se esquentar, se ventilar sozinho, etc. No começo, a mãe é
considerada como um objeto parcial. Ela não é reconhecida como outra pessoa,
como um pensamento diferente. O recém-nascido a imagina a seu serviço. A mãe
responde instintivamente às necessidades da criança o que lhe dá um sentimento
de exclusividade. A mãe é como uma extensão de seu pensamento. Ela é um intermediário
entre o mundo externo e si mesmo.
Assim, o narcisismo primário corresponde a esta
ilusão da criança, de que ele seja autossuficiente, já que ele não se distingue
de sua mãe. É somente nas primeiras semanas que a criança percebe que uma fonte
externa é a origem das respostas aos seus desejos: “nas primeiras 6 semanas, um
traço mnésico do rosto humano imprime na memória do recém-nascido, como o
primeiro sinal da presença da pessoa que gratifica suas necessidades” (Spitz,
1993). Podemos-nos imaginar as consequências da separação deste casal, desta
díade fusional em caso de abandono da criança, se nenhum substituto maternal
não intervenha. Trata-se principalmente do que ocorre com as crianças
abandonadas. Foi o caso das crianças alocadas nos orfanatos romenos, por
exemplo, (Dayan, 2008). A situação dos orfanatos romenos foi muito documentada
na década de 1990 pelas mídias internacionais, destacando a necessidade da
comunidade internacional responder aos problemas do grande numero de órfãos
negligenciados no país.
O que podemos notar é que por volta dos dois
meses, o bebê já é capaz de representar a sua mãe biológica. Será que o que o
bebê em questão é capaz de representar também a mãe adotiva ou ele representa
as duas mães? Sera que cada uma vai ocupar um lugar diferente, a biológica de
funções primárias e a adotiva de complemento? Na verdade, não existem respostas
às essas questões, o que veremos a seguir é a adaptação do bebê adotado às duas
realidades (duas mães).
Representação das duas mães
Assim que aparecem as primeiras falas, a mãe
adotiva pode sentir dificuldades em aceitar a palavra “mãe” que lhe foi
adereçada. Porém, o bebê consegue se adaptar bem à nova realidade, à nova mãe.
A pessoa que tornou o substituto de sua mãe biológica é uma variável maior na
organização psíquica do bebê e na surgição dos laços afetivos de boa qualidade.
O trauma da ruptura do primeiro vínculo materno, pode ser solucionado por uma
adaptação da mãe substituta em cuidar do seu filho. Winnicott
concorda com a psicanalista Anna Freud ao fato de não culpabilizar a mãe por
suas falhas; os desapontamentos e as frustações são inseparáveis da relação
mãe-criança. Embora, a mãe pode ocupar um dos dois lugares possíveis segundo a
sua qualificação, entre suficiente boa ou não. O lugar de mãe suficiente boa
ocorre a partir do momento em que o ambiente possibilita ao bebê alcançar um
estado optimal do seu desenvolvimento e contrariamente, no ambiente não
suficiente bom, o bebê não pode se desenvolver adequadamente.
Antes de tudo, o que se almeja é uma
relação “saudável” entre duas pessoas, o que pode ser chamado de
« equilíbrio homeostático » (Mahler, 1954 citado por Winnicott, 1956)
ou também de harmonização afetiva (Stern, 1985) em que o autor apresenta
que uma harmonização transmodal (entre os dois protagonistas) permite uma
sintonia entre os estados afetivos de cada um. Este fenômeno, considerado como
“o relacionamento simbiótico”, pode ser verificado na relação mãe-bebê, assim
que a mãe é biologicamente condicionada para a sua tarefa de cuidar, ela dispõe
de um cuidado atentivo com as necessidades do bebê. A mãe pode ser consciente
ou não da relação que possui com o seu bebê. De fato, existe uma identificação
da mãe com o bebê e uma dependência do bebê em relação à mãe.
O bebê apesar de frágil às circunstâncias da
vida, ele é um ser ativo que demanda e interpela a atenção do outro. Ainda bem
que existem mães suficientes boas para cuidar de crianças que a principio não
eram os seus frutos, mas que com o tempo uma verdadeira relação mãe e filho
tenha se instaurado.
Conclusão
As representações precoces são
multissensoriais. O bebê pode representar o outro e o seu mundo porque ele é
capaz de sentir. O bebê sente (tactilmente, ouve, “degusta”, cheira e vê) todos
que o cercam, ou seja, se começa pela mãe, biológica e/ou adotiva para em
seguida relacionar com todos os outros membros da família.
Os bebês adotados,
o mais cedo possível, se favorecem das noções de adaptação. O cérebro do bebê
no seu primeiro ano de vida não está completamente formado e as novas
experiências com os outros seres humanos permitem uma configuração adequada do
mesmo devido à plasticidade cerebral e as noções de epigenética. Haverá, assim,
um período de « gravidez ex-útero », durante o primeiro ano de vida do
bebê, no qual ele tem uma grande necessidade de contato e calor, indispensáveis
ao bom desenvolvimento de seu cérebro e de seu ser. O acolhimento é uma
condição de segurança e é uma maneira de preencher a necessidade de maturação e
desenvolvimento.
Com efeito,
independentemente do substituto, se ele for suficiente bom, o trauma da ruptura
do laço primário não será tão abrupto e o bebê desta forma, poderá tornar
presente a sua mãe biológica através da mãe que o acolheu.
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