sexta-feira, 21 de março de 2014

A psicanálise no berçário. Uma intervenção impossível.

Karina F. Bonalume Freire
Supervisão: Paulina Rocha
Texto apresentado do congresso da ABEBÊ (Associação de estudos sobre o bebê em Brasília)
Desde sua fundação o Espaço Singular, como o nome singular já anuncia, tem a difícil, se não impossível tarefa, de articular a prática pedagógica ao saber  psicanalítico.  Como diz Freud, são três as tarefas impossíveis: governar, psicanalisar e educar. Estamos entre elas. Acompanhamos as principais fases da constituição psíquica, uma vez que recebemos crianças de três meses a cinco anos.
Cuidamos de bebês e de crianças muito pequenas, tentando unir este dois saberes para que deem voz aos que não podem dizer, aos que são falados pelo outro, mas que nem por isso estão excluídos da linguagem.
Mais do que tentar impor um saber psicanalítico sobre o saber pedagógico, tentamos usar a psicanálise enquanto alicerce para melhor acolher os sujeitos que em sua articulação formam o ambiente escolar: bebês, crianças muito pequenas, pais e equipe interdisciplinar (pedagogos, educadores, T.O, psicanalista, fisioterapeuta e auxiliar de enfermagem). Sustentamos que a prática pedagógica seja evidenciada, e não pretendemos transformar os educadores em psicanalistas. A psicanálise funciona como  o que  forma e sustenta a rede de escuta institucional. A escuta desta prática e de toda a articulação institucional pode dar lugar a fala ao invés do agir.
De origem francesa, a palavra “creche” significa manjedoura. Abrigos para bebês, criados na França do século XVIII, a partir da necessidade das mulheres complementarem a renda familiar.  Desta forma as creches nasceram de uma necessidade socioeconômica e mantém este status até o momento. Atualmente as famílias deixam bebês em creches sustentadas pelo estado, ou em instituições particulares, que denominam-se berçários e em que pretende-se cuidar  do infans e educá-lo.
Como localiza Jerusalinsky em seu texto, Falar uma Criança, o ato educativo não se restringe de forma alguma aos professores, mas abrange todos aqueles que em sua prática se valem de indicações, de um saber constituído que se tem de pedir ao outro. Contudo, há algumas disciplinas, que ficam no meio do caminho, entre o educativo e o médico, ou entre o psicanalítico e o educativo, como a psicopedagogia clínica.
Ainda segundo o autor não há de se ensinar um bebê, transmite-se a ele. Jerusalinsky define transmitir como operar de modo que o outro se aproprie de algo que já está feito, em oposição ao ensinar, que define como construir algo que se supõe como não feito. 
Mas o que dizer da escola de bebês que também deve se situar neste meio caminho, entre a família e o mundo? Como transmitir algo a um bebê, quando o vínculo da educadora se dá pela identificação com a função e não com a criança em particular? Ao pensar a escola, pensamos em crianças e sua permanecia nela irá marcar o tempo da infância, tempo este que se estende com a entrada cada vez mais precoce de bebês no ambiente escolar.
Ainda em seu texto Falar uma Criança (1997), Jerusalinsky coloca algumas observações importantes. Mães falam com seus bebês, mesmo que entendam que os bebês não entendem o que dizem. Se não o fazem, se não falam com seus bebês, o autor deixa claro, entendemos que algo vai mal. Mas então, coloca o autor, se sabem que seus bebê não compreendem exatamente o que dizem,  para que lhes falam? Falam porque supõem ali um sujeito e dão significado `as suas vivências.
Sua segunda observação é a de que os bebês são colocados em uma série, em que os que falam este bebê, cuidadores ou a mãe, lhes situam em um tempo entre o que aconteceu antes e o que se supõe o que acontecerá depois. “Uma senda de significações”.
E terceira observação é a de que nada que o bebê faz é tomado como tal, seus gestos são interpretados e falados pelo cuidador. O que situa os bebês no campo da linguagem, apesar de não falarem. O outro oferece a fala ao bebê.
A possibilidade de se ter um psicanalista que circule pela escola e escute o que todos tem a dizer enriquece o ambiente escolar. Nesta escuta, o psicanalista tenta articular o saber pedagógico  com o lugar que o sujeito falante ou no nosso caso, muito frequentemente, não falante, ocupa.
Um gesto de uma criança, um olhar, as sonoridades, a atmosfera, tudo deve ser levado em conta na manutenção do cuidado com os educadores, crianças e  a interpretação a que se atribui ao cotidiano.
Recorte de uma cena:
“Gabriela, nome fictício,  tem seis meses e está em adaptação na escola. Chora muito quando as educadoras a colocam sentada no chão, e apenas se acalma quando está no colo. A psicanalista observa a angustia das educadoras que com Gabriela no colo, não conseguem cuidar dos outros bebês. Pega Gabriela e a acalma em seu colo,  sentada no chão. Aos poucos coloca Gabriela sentada no chão ao lado dela e depois se distancia lentamente, conversando com ela em um tom baixo e calmo. Com isso Gabriela consegue se distrair e brincar por um tempo com os brinquedos. Mais tarde vejo as professoras usando a mesma ‘tática’ com Gabriela, que com isso consegue se adaptar. Primeiro ela passa a brincar com a mãozinha nas pernas da professora e depois passa a se distanciar olhando a professora e por fim consegue se distrair com os brinquedos”.
Segundo Mariotto (2009), um ambiente enriquecido para o bebê de poucos meses é aquele que se dá a partir do laço com o outro, e neste contexto o olhar e a palavra devem ocupar postos privilegiados, colocando em evidência também a qualidade deste outro. 
Pensamos que a construção deste laço tem sua continuidade na escola. Educadores se tornam alicerces da constituição psíquica.  E é desta forma que a linguagem deve ser levada em consideração em toda a extensão do discurso institucional.
No trabalho com o bebê  e com crianças muito pequenas, esta articulação se faz possível e necessária uma vez que por não estarem incluídos em uma rede simbólica, a escuta e as intervenções do psicanalista auxiliam ao educador manter a cadeia de significações singular de cada criança, seja falando pelo bebê, seja flexibilizando regras para que a família e criança se sintam acolhidas no ambiente escolar. Flexibilizar rotinas para que a cadeia singular família/bebê possa ser mantida até que o bebê cresça e possa se adequar sem riscos `a  forma de operar de uma escola. Neste sentido a escola tem como função sustentar a lógica parental sobre o bebê, uma vez que este é sustentado a partir desta mesma lógica.
Desta forma sustenta-se a singularidade de cada família e a escola se oferece como uma nova experiência de relações sociais que não deixam de ser regidas pelo conhecimento da constituição psíquica e desenvolvimento do bebê. Claro que não iremos falar com um bebê como se fala com um adulto. Leva-se em conta o lugar social e desenvolvimento do bebê.
Recorte de uma história no plantão psicológico:
“Rafaela, como a chamaremos aqui,  entrou na escola com dois anos. Muito agitada, batia em todos `a sua volta: em alunos, professores e auxiliares. Após conversar com a mãe descobrimos uma família que organizava pouco a rotina da criança.
Preocupada solicito a psicanalista. Esta após observar a criança e conversar com a mãe, a encaminhou para tratamento. A mãe contudo, procurou auxílio da psicóloga que havia atendido sua filha mais velha anos atrás. A psicóloga foi categórica ao dizer para a mãe e para a escola que a criança era muito pequena para ser atendida. A partir desta fala a mãe passou a se mostrar resistente a qualquer intervenção e Rafaela passou a ter crises de agressividade em sala de aula. Pais de outras crianças chegaram a solicitar a saída da aluna junto `a coordenação escolar. Diante deste quadro, a psicanalista decidiu estender o plantão psicológico, isto é, acompanhar Rafaela e reservar momentos para estar apenas com ela, por um período que podia se estender em até uma hora semanal durante todo o ano letivo. Normalmente o plantão consiste em três observações da criança e conversas/devolutivas para os pais. Em paralelo aos “atendimentos” de Rafaela dentro dos muros escolares, sempre que possível,  a psicanalista conversava com a mãe e com o pai de Rafaela quando estes vinham buscá-la na escola. Desta forma nos foi possível cuidar de Rafaela e dos pais e com isso formar um vínculo em que a demanda de tratamento se fez possível.”
Enquanto que em uma escola a tendência é a de unificar as demandas, a fim de facilitar a rotina, o olhar do psicanalista e sua intervenção frequente junto `a educadora em sala de aula, cria borda para que outros laços aconteçam. Porque é na uniformidade que se dá o traço cultural, mas ele deve estar inserido sem que se perca o traço singular de cada individuo. O social irá dar espaço `a cultura. A partir das regras, abre-se espaço para a criatividade, lugar possível de criação de novas coisas que a criança deve pertencer.
Contudo, por mais que tudo funcione, que se ensine, a ausência das diferenças na unificação de rotinas e procedimentos, lançaria a criança muito pequena na angustia de perder o traço que a representa. Desta forma nada lhe seria transmitido.  Cabe ao psicanalista, construir com a equipe  institucional o sentido de cada vivência. Muitas vezes pequenas intervenções auxiliam para que a ritmicidade tão necessária neste momento aconteça de forma adequada.
Recorte de uma cena:
“A psicanalista chega a escola pela manhã, encontra um bebê  de um ano e dois meses chorando muito. Aflita a educadora explica que ele está fazendo birra porque um brinquedo não lhe foi dado. Neste momento, a psicanalista acalmando o bebê,  inicia um jogo de cadê/achou. A educadora, retirada de sua aflição, consegue entrar no jogo. A psicanalista saí de cena deixando os dois brincando. Mais tarde, informada sobre o ocorrido, reservo um tempo para conversar com a educadora e falo sobre a importância para o bebê dos jogos de esconder e seu papel fundamental na elaboração das representações para o infante.”
Recorte de uma cena onde a intervenção de um terceiro, pode fazer surgir o jogo de presença/ausência, e que um ritmo no laço foi estabelecido onde o discurso se impunha: “Ele está com birra”.  Uma outra cena foi montada entre educadora e bebê sem que nada tivesse que ser dito. Mas abriu-se a possibilidade de uma reflexão sobre o ocorrido em um tempo a posteriori. Disto um novo saber sobre os bebês pode se formar. Algo novo pode lhe ser transmitido. Ao bebê e a educadora.
Segundo Jerusalinsky, (1997) o falar da mãe com seu bebê e suas suposições e interpretações sobre o bebê o insere no campo das significações. A mãe ao supor algo sobre seu bebê supõe que este está referido a uma sequência de coisas que tem sentido para ele, se chora, por exemplo, a mãe supõe que algo desta cadeia se rompeu e busca um sentido para isto.
A educadora, através da identificação com o trabalho, de sua própria escolha profissional é convidada a sustentar este registro do bebê. Muitas vezes, contudo, se perdem na sustentação de uma função, ou porque para aquele bebê, em uma determinada  situação, não  lhes foi possível supor nada. O psicanalista dará espaço para que neste limbo, algo se construa.
O lugar social da criança na escola faz borda, dá contorno subjetivo na medida que dá à criança um lugar social onde ela como sujeito pode ser falada por um outro e escutada.
Desta forma a escola pode vir a oferecer a criança a articulação entre dois eixos importantes para o desenvolvimento, com três sequencias temporais. Via linguagem: Falar (muitas vezes falar pelo bebê), ser ouvida e poder aguardar para o próximo momento de fala. E na ação: Agir, esperar a próxima ação do adulto, para então interagir. Eixos importantes que dão borda as angústias infantis. Uma escola com esta dinâmica e todos os enquadres sociais que a organizam proporciona, ao meu ver, uma educação terapêutica por si só. Contudo sua articulação com o saber psicanalítico garante um lugar de escuta, de ritmo, em que o discurso e interação possam aparecer.
O lugar do psicanalista nos corredores, no portão, em sala, em plantões de atendimento dá espaço para que o discurso deslize em diversas direções, seja no olhar do bebê, seja no discurso da educadora ou  dos pais.
Kupfer (2000) afirma que para Lacan, o discurso é o que faz o laço social estruturante por atrelar o falante ao Outro. A autora afirma que, desta perspectiva o educar insere a criança na linguagem, tornando-a capaz de produzir discurso, dirigindo-se ao outro e fazendo com isso laço social.
A escola é o lugar social de toda e qualquer criança. A escola lhes dá abrigo social e uma identidade, exatamente porque podem construir discurso sobre suas ações.
Desta forma para além da prevenção, a inserção da psicanálise nos corredores escolares deve ser entendida em sua função primordial, atrelar, fazer valer o sujeito ao seu discurso.
Não importa qual o sujeito que fala: Os pais ao deixarem seu bebê, a educadora que o acolhe, a gestora ou o porteiro da escola. Ter um lugar de fala, poder ser escutado,  marca no espaço institucional o compromisso com o que se diz e faz, mesmo que muitas coisas, em uma pré-escola sejam ditas pela linguagem não verbal.

“O ato de educar está no cerne da visão psicanalítica de sujeito. Pode-se concebê-lo como ato por meio do qual o Outro primordial se intromete na carne do infans, transformando-a em linguagem. É pela educação que um adulto marca seu filho com marcas do desejo;.” (Kupfer, pag. 35)

Desta forma ao educar, fazer valer o desejo da cultura de que crianças aprendam e cresçam,  insere a criança por si só em um lugar de identidade. Lugar de criança. Contudo o olhar do psicanalista irá prevenir que os bebês, que hoje também tem seu lugar social na escola, não se percam onde tudo é social e se encontrem em sua singularidade no olhar atento de uma educadora,  que cuidada, pode cuidar. Que ao dizer, pode dar sentido ao não dito.  Que ao falar, poderá dizer algo sobre sua relação particular com cada bebê.

Quando há uma questão no laço entre educadora e bebê ou entre a mãe e bebê, o psicanalista, que neste sentido representa a escola, pode agir como um terceiro que monta outra cena, ajudando, por exemplo a significar uma dificuldade sem que as famílias sejam expostas ao saber pedagógico em que se sabe o que é melhor para o bebê.  Poder ouvir sem jugar, da contorno e sustentação para que a rede familiar  em sua singularidade se sustente na escola, em uma construção permanente e que deve ser cercada de muito carinho.


















REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

JERUSALINSKY, Alfredo. A escolarização de crianças psicóticas. Estilos da Clínica. Revista Sobre a Infância com Problema. São Paulo: Pré-escola lugar de vida, 1997.

___. Falar uma criança. Revista Escritos da Criança, n. 1, Centro Lydia  Coriat de Porto Alegre, Porto Alegre, 1997.

KUPFER, Maria Cristina Machado. Educação para o futuro. 2a ed. Psicanálise e Educação. São Paulo:  Escuta, 2001.

MARIOTTO, Rosa Maria Marini. Cuidar, educar e prevenir: as funções da creche na subjetivação de bebês. Infância e Psicanálise. São Paulo: Escute, 2009. 



segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Quando procurar o atendimento psicológico para gestantes ou atendimentos para mães e seus bebê?

Pouco se fala sobre os atendimentos psicológicos de mães e seus bebês. Mas eles exitem e podem ajudar muito neste momento em que a maternidade está sendo construida.

A gestação, a chegada de um membro novo em uma família muda todo o seu contexto. O bebê chega e mexe afetivamente com todos os que o recebem.

Às vezes as coisas são mais tranquilas, tudo corre como o planejado, mas também podem acontecer algumas dificuldades nesta etapa tão delicada na vida do recém chegado e de seus familiares.

No momento da gestação e do pós parto a mulher irá experimentar um estado psíquico único, muito diferente do seu estado habitual. A adaptação da família ao novo bebê pode gerar mudanças no equilíbrio habitual da mulher ou do casal.

A mulher pode não se sentir tão feliz, como pensa que deveria se sentir, podendo até atingir um estado de depressão durante a gestação ou nos primeiros meses de vida da criança.

Alguns problemas ao longo do caminho como detecção de problemas fetais, perdas gestacionais, dificuldades no processo de adoção e dificuldades com o bebê interferem na maneira como o papel da maternidade será desempenhado e por consequência em sofrimento para a mãe e para o bebê.

Neste contexto um profissional especializado poderá dar suporte a rede familiar e ajudar para que esta etapa da vida possa ser vivida de forma mais tranquila, amenizando o sofrimento da mãe e do pequeno que acaba de chagar.

Normalmente o tratamento consiste em poucos atendimento em que se busca identificar a origem do sofrimento, com o objetivo de tornar o processo da maternidade mais traquilo e harmonioso.

É importante ressaltar que a mulher pode e deve procurar ajuda especializada quando sente que algo não vai bem.  Mãe e bebê devem ser acolhidos com o carinho e cuidado tão necessários neste momento da vida.