terça-feira, 30 de julho de 2013

Representações precoces do bebê adotado de sua mãe

Texto da querida Rubia Infante, ex estagiária de psicologia do Espaço Singular,   que acaba de terminar seu mestrado na frança. Quanto orgulho...



Diálogo entre Rubia Infante e Karina Bonalume Freire

É necessário saber como surgiu este texto. A partir de um diálogo entre duas psicólogas sobre um caso clínico em que uma criança que a mãe morreu dois dias após o parto, adotada atualmente com 20 meses começa a pronunciar as suas primeiras palavras. Põem-se as seguintes questões: A criança de aproximadamente dois anos é capaz de representar a sua mãe biológica (perdida dois dias após o parto)? E ainda, essa criança representa a sua mãe adotiva? Outra questão mais abrangente é também pertinente para situarmos as capacidades do bebê: O bebê é capaz de representar as duas mães, a biológica e a adotiva?
Através deste texto, me proponho tentar responder às três questões a fim de adquirirmos uma ideia global sobre as representações humanas do bebê. Entretanto, existe pouca teoria sobre os pontos de vista do bebê. Pelo fato dele não apresentar sua versão em forma de palavras, é difícil de afirmarmos algo a seu respeito. As respostas às questões se baseiam em interpretações do que já se foi estudado sobre esta população.
De fato, o bebê é atualmente alvo de muitos estudos. A partir da observação de bebês nos anos 60 e 70 (em 1963, Esther Bick, com o seu método de observação de bebês, em 1968, Spitz, descreve três etapas importantes no desenvolvimento do bebê, em 1973, Brazelton, com a sua escala « Neonatal de Avaliação Comportamental » e em 1978, Bowlby com a sua teoria do apego) o bebê passou a ser o tema de muitas pesquisas. A partir deste momento, o bebê é percebido como um sujeito ativo, com intenção e personalidade. Nesta mesma época (1976-1978), Françoise Dolto, psicanalista francesa responde em uma emissão de radio, « Lorsque l’enfant paraît », diversas cartas enviadas pelos auditores em torno da criança. Ela defendeu ao longo da sua carreira a ideia que o indivíduo é um sujeito desde bebê. A psicanalista enfatizou a importância do adulto se dirigir através da fala à criança, o que contribui para a construção do seu pensamento (Dolto, 2007). 
O bebê precisa do outro para se desenvolver e para expressar as suas emoções. Sabe-se que muito antes das primeiras palavras, o bebê tem a intenção de compartilhar momentos com o outro. O bebê é um ser ativo e pronto para a relação (Gratier, 2001; Trevarthen, 1999). Este pequeno ser é muito capacitado, ele representa os objetos durante o primeiro ano de vida, o bebê adquire esta capacidade, com 3 meses e meio, ele sabe que um objeto é escondido atrás de alguma coisa, com 7 meses e meio, ele sabe que um objeto é dentro de uma caixa, por exemplo, e aos 12 meses, o bebê pode procurar o objeto escondido (Baillargeon, 1993). Bebês de somente 6 a 8 meses tem a representação dos números, eles correspondem de 2 a 3 sons a 2 a 3 imagens, eles realizam uma tarefa intermodal, eles associam o auditivo ao visual. O conceito do número está ligado à linguagem. Entre 24 meses a 30 meses, é quando ele começa discriminar na língua o singular do plural, ele adquire o conceito do número 1 como oposto dos outros (Wynn, 2000). Ele representa objetos, números, mas, o que é afinal representar? Representar é tornar sensível (um objeto ou uma coisa abstrata) em meio de uma imagem ou de um sinal e, também, é um processo pelo qual uma imagem é apresentada aos seus membros (Robert, 2003). E como se faz para representar, de re-apresentar uma pessoa?
Nosso objetivo é de obter respostas sobre as representações humanas, mais especificamente da mãe do bebê adotado. Para isso, este trabalho é repartido em três eixos. Em um primeiro eixo, abordarei a maneira pela qual o bebê representa a sua mãe biológica, segundo suas impressões sensoriais, em um segundo eixo, abordarei a maneira pela qual o bebê representa um substituto, a sua mãe adotiva, e o último eixo, apresentarei de uma maneira mais global a maneira pela qual o bebê representa as duas realidades, de uma mãe « perdida » e da mãe substituta.
Representação da mãe biológica
A mãe deixa marcas no aparelho psíquico do bebê. Mesmo que a mãe biológica morra depois de 2 dias após o parto, o bebê teve tempo suficiente para tornar presente a sua mãe. Essa, falou com o seu filho (às vezes até mesmo durante a gravidez).
Conforme os estudos dos anos 80, DeCasper e Spence, mostraram que os bebês preferem o conteúdo que eles ouviram durante a gravidez. O feto é sensível ao seu meio ambiente e em particular ao ambiente auditivo. Durante o último trimestre de gravidez, a fala se torna claramente audível e pode ser tratada pelo feto (Querleu & Renard, 1981).
O bebê prefere escutar o que lhe é familiar. Ele é capaz de reconhecer a voz da sua mãe desde o nascimento e a prefere entre as outras vozes. O bebê é sensível à fala materna e também às emoções. Graças à sua capacidade de percepção, o bebê compreende por associações internas o estado emocional de uma pessoa, aquisição essencial no mundo real para uma aprendizagem correta das competências sociais e empáticas (Mastropieri & Turkewitz, 1999). O recém-nascido é assim capaz de diferenciar o conteúdo emocional trazido por uma voz feminina (tristeza versus felicidade), mas unicamente se esta voz se exprime na sua língua materna (Mastropieri & Turkewitz, 1999).
A voz e a língua materna são fatores muito importantes para que a criança possa reconhecer o que lhe é familiar. Mas, o bebê é sensível à maneira como a mãe se comporta com ele, se a sua mãe responde de uma maneira adequada às suas vocalizações, o bebê aprende novas formas vocais, mas se ela não responde de forma adequada, o bebê não aprende. Isto mostra que existe uma influência do comportamento da mãe no aprendizado da fala do bebê (Goldstein e Schwade, 2008). A mãe é uma figura essencial no desenvolvimento psico-emocional-cognitivo da criança. Porém, assim como constatou Winnicott (1969), a mãe pode odiar seu feto desde o começo. E existem mães que conseguem adaptar às necessidades de um filho, mas não com o outro. Isto pode ser um entrave para o desenvolvimento harmonioso do bebê.
Segundo Winnicott (1956), ele ressalta a importância do relacionamento mãe-bebê em sua etapa inicial, do bebê enquanto um ser independente. A mãe está numa condição de sensibilidade extrema durante e principalmente ao final da gravidez. Este período chamado de preocupação materna primária tem uma duração de apenas algumas semanas após o nascimento do bebê e este estado é dificilmente recordado pelas mães depois que o ultrapassam como se na memória, ele fosse reprimido.
A mãe seja ela biológica ou adotiva tem a capacidade para cuidar do bebê, ela pode atingir este estado de preocupação materna primária, na medida da sua capacidade de identificar-se com o bebê. Poderíamos supor que o bebê também precisará identificar-se com a mãe adotiva para poder representá-la.

Representações da mãe adotiva
A mãe adotiva tem a tarefa de cuidar de alguém que não é o seu fruto. Ela vai ser o substituto da mãe biológica. Contudo, o seu objetivo é ter uma relação com a criança de forma mais natural possível. O bebê se desenvolverá segundo a qualidade desta relação. De fato, o desenvolvimento psicológico da criança pode ser descrito por etapas. Os “organizadores” de Spitz são processos de transição. Conforme o autor, a criança passa por transformações fundamentais permitindo ir de um estado ao outro (Spitz, 1993). Um traumatismo durante uma transição terá consequências específicas. Assim, uma ruptura afetiva durante um período de transição pode acarretar graves consequências no desenvolvimento da criança. Se o nascimento foi durante muito tempo considerado como um episódio traumático, principalmente por Freud, não seria na verdade mais adequado afirmar que uma ruptura do vínculo mãe e bebê, seria o acontecimento traumatizante?
Para tratarmos desse trauma, precisaríamos entender melhor o que se passa com o bebê nos primeiros meses de vida. Durante o parto, o bebê passa de um período de dependência total, literalmente fusional, a uma obrigação de autonomia. Após o nascimento, a criança aprende a se nutrir, se esquentar, se ventilar sozinho, etc. No começo, a mãe é considerada como um objeto parcial. Ela não é reconhecida como outra pessoa, como um pensamento diferente. O recém-nascido a imagina a seu serviço. A mãe responde instintivamente às necessidades da criança o que lhe dá um sentimento de exclusividade. A mãe é como uma extensão de seu pensamento. Ela é um intermediário entre o mundo externo e si mesmo.
Assim, o narcisismo primário corresponde a esta ilusão da criança, de que ele seja autossuficiente, já que ele não se distingue de sua mãe. É somente nas primeiras semanas que a criança percebe que uma fonte externa é a origem das respostas aos seus desejos: “nas primeiras 6 semanas, um traço mnésico do rosto humano imprime na memória do recém-nascido, como o primeiro sinal da presença da pessoa que gratifica suas necessidades” (Spitz, 1993). Podemos-nos imaginar as consequências da separação deste casal, desta díade fusional em caso de abandono da criança, se nenhum substituto maternal não intervenha. Trata-se principalmente do que ocorre com as crianças abandonadas. Foi o caso das crianças alocadas nos orfanatos romenos, por exemplo, (Dayan, 2008). A situação dos orfanatos romenos foi muito documentada na década de 1990 pelas mídias internacionais, destacando a necessidade da comunidade internacional responder aos problemas do grande numero de órfãos negligenciados no país. 
O que podemos notar é que por volta dos dois meses, o bebê já é capaz de representar a sua mãe biológica. Será que o que o bebê em questão é capaz de representar também a mãe adotiva ou ele representa as duas mães? Sera que cada uma vai ocupar um lugar diferente, a biológica de funções primárias e a adotiva de complemento? Na verdade, não existem respostas às essas questões, o que veremos a seguir é a adaptação do bebê adotado às duas realidades (duas mães).     



Representação das duas mães
Assim que aparecem as primeiras falas, a mãe adotiva pode sentir dificuldades em aceitar a palavra “mãe” que lhe foi adereçada. Porém, o bebê consegue se adaptar bem à nova realidade, à nova mãe. A pessoa que tornou o substituto de sua mãe biológica é uma variável maior na organização psíquica do bebê e na surgição dos laços afetivos de boa qualidade. O trauma da ruptura do primeiro vínculo materno, pode ser solucionado por uma adaptação da mãe substituta em cuidar do seu filho. Winnicott concorda com a psicanalista Anna Freud ao fato de não culpabilizar a mãe por suas falhas; os desapontamentos e as frustações são inseparáveis da relação mãe-criança. Embora, a mãe pode ocupar um dos dois lugares possíveis segundo a sua qualificação, entre suficiente boa ou não. O lugar de mãe suficiente boa ocorre a partir do momento em que o ambiente possibilita ao bebê alcançar um estado optimal do seu desenvolvimento e contrariamente, no ambiente não suficiente bom, o bebê não pode se desenvolver adequadamente.
Antes de tudo, o que se almeja é uma relação “saudável” entre duas pessoas, o que pode ser chamado de « equilíbrio homeostático » (Mahler, 1954 citado por Winnicott, 1956) ou também de harmonização afetiva (Stern, 1985) em que o autor apresenta que uma harmonização transmodal (entre os dois protagonistas) permite uma sintonia entre os estados afetivos de cada um. Este fenômeno, considerado como “o relacionamento simbiótico”, pode ser verificado na relação mãe-bebê, assim que a mãe é biologicamente condicionada para a sua tarefa de cuidar, ela dispõe de um cuidado atentivo com as necessidades do bebê. A mãe pode ser consciente ou não da relação que possui com o seu bebê. De fato, existe uma identificação da mãe com o bebê e uma dependência do bebê em relação à mãe.   
O bebê apesar de frágil às circunstâncias da vida, ele é um ser ativo que demanda e interpela a atenção do outro. Ainda bem que existem mães suficientes boas para cuidar de crianças que a principio não eram os seus frutos, mas que com o tempo uma verdadeira relação mãe e filho tenha se instaurado.        
Conclusão
As representações precoces são multissensoriais. O bebê pode representar o outro e o seu mundo porque ele é capaz de sentir. O bebê sente (tactilmente, ouve, “degusta”, cheira e vê) todos que o cercam, ou seja, se começa pela mãe, biológica e/ou adotiva para em seguida relacionar com todos os outros membros da família.
                  Os bebês adotados, o mais cedo possível, se favorecem das noções de adaptação. O cérebro do bebê no seu primeiro ano de vida não está completamente formado e as novas experiências com os outros seres humanos permitem uma configuração adequada do mesmo devido à plasticidade cerebral e as noções de epigenética. Haverá, assim, um período de « gravidez ex-útero », durante o primeiro ano de vida do bebê, no qual ele tem uma grande necessidade de contato e calor, indispensáveis ao bom desenvolvimento de seu cérebro e de seu ser. O acolhimento é uma condição de segurança e é uma maneira de preencher a necessidade de maturação e desenvolvimento.
                  Com efeito, independentemente do substituto, se ele for suficiente bom, o trauma da ruptura do laço primário não será tão abrupto e o bebê desta forma, poderá tornar presente a sua mãe biológica através da mãe que o acolheu.
Referências bibliográficas
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