Diálogo entre Rubia Infante e
Karina Bonalume Freire
É necessário saber como surgiu este texto. A
partir de um diálogo entre duas psicólogas sobre um caso clínico em que uma
criança que a mãe morreu dois dias após o parto, adotada atualmente com 20
meses começa a pronunciar as suas primeiras palavras. Põem-se as seguintes
questões: A criança de aproximadamente dois anos é capaz de representar a sua
mãe biológica (perdida dois dias após o parto)? E ainda, essa criança
representa a sua mãe adotiva? Outra questão mais abrangente é também pertinente
para situarmos as capacidades do bebê: O bebê é capaz de representar as duas
mães, a biológica e a adotiva?
Através deste texto, me proponho tentar responder
às três questões a fim de adquirirmos uma ideia global sobre as representações humanas
do bebê. Entretanto, existe pouca teoria sobre os pontos de vista do bebê. Pelo
fato dele não apresentar sua versão em forma de palavras, é difícil de afirmarmos
algo a seu respeito. As respostas às questões se baseiam em interpretações do
que já se foi estudado sobre esta população.
De fato, o bebê é atualmente alvo de muitos estudos. A
partir da observação de bebês nos anos 60 e 70 (em 1963, Esther Bick, com o seu
método de observação de bebês, em 1968, Spitz, descreve três etapas importantes
no desenvolvimento do bebê, em 1973, Brazelton, com a sua escala « Neonatal de Avaliação Comportamental » e em 1978, Bowlby com a sua
teoria do apego) o bebê passou a ser o tema de muitas pesquisas. A partir deste
momento, o bebê é percebido como um sujeito ativo, com intenção e
personalidade. Nesta mesma época
(1976-1978), Françoise Dolto, psicanalista francesa responde em uma emissão de
radio, « Lorsque l’enfant paraît », diversas cartas enviadas pelos
auditores em torno da criança. Ela defendeu ao longo da sua carreira a ideia
que o indivíduo é um sujeito desde bebê. A psicanalista enfatizou a importância
do adulto se dirigir através da fala à criança, o que contribui para a construção
do seu pensamento (Dolto, 2007).
O bebê
precisa do outro para se desenvolver e para expressar as suas emoções. Sabe-se
que muito antes das primeiras palavras, o bebê tem a intenção de compartilhar
momentos com o outro. O bebê é um ser ativo e pronto para a relação (Gratier,
2001; Trevarthen, 1999). Este pequeno ser é muito capacitado, ele representa os
objetos durante o primeiro ano de vida, o bebê
adquire esta capacidade, com 3 meses e meio, ele sabe que um objeto é escondido
atrás de alguma coisa, com 7 meses e meio, ele sabe que um objeto é dentro de
uma caixa, por exemplo, e aos 12 meses, o bebê pode procurar o objeto escondido
(Baillargeon, 1993). Bebês de somente 6 a 8 meses tem a representação dos
números, eles correspondem de 2 a 3 sons a 2 a 3 imagens, eles realizam uma
tarefa intermodal, eles associam o auditivo ao visual. O conceito do número está ligado à
linguagem. Entre 24 meses a 30 meses, é quando ele começa discriminar na língua
o singular do plural, ele adquire o conceito do número 1 como oposto dos outros
(Wynn, 2000). Ele representa objetos, números, mas, o que é afinal representar?
Representar é tornar sensível (um objeto ou uma coisa abstrata) em meio de uma
imagem ou de um sinal e, também, é um processo pelo qual uma imagem é apresentada
aos seus membros (Robert, 2003). E como se faz para representar, de re-apresentar
uma pessoa?
Nosso objetivo é de obter respostas sobre as
representações humanas, mais especificamente da mãe do bebê adotado. Para isso,
este trabalho é repartido em três eixos. Em um primeiro eixo, abordarei a
maneira pela qual o bebê representa a sua mãe biológica, segundo suas
impressões sensoriais, em um segundo eixo, abordarei a maneira pela qual o bebê
representa um substituto, a sua mãe adotiva, e o último eixo, apresentarei de
uma maneira mais global a maneira pela qual o bebê representa as duas
realidades, de uma mãe « perdida » e da mãe substituta.
Representação da mãe biológica
A mãe deixa marcas no aparelho psíquico do
bebê. Mesmo que a mãe biológica morra depois de 2 dias após o parto, o bebê
teve tempo suficiente para tornar presente a sua mãe. Essa, falou com o seu
filho (às vezes até mesmo durante a gravidez).
Conforme os estudos dos anos 80, DeCasper e
Spence, mostraram que os bebês preferem o conteúdo que eles ouviram durante a
gravidez. O feto é sensível ao seu meio ambiente e em particular ao ambiente
auditivo. Durante o último trimestre de gravidez, a fala se torna claramente
audível e pode ser tratada pelo feto (Querleu & Renard, 1981).
O bebê prefere escutar o que lhe é familiar.
Ele é capaz de reconhecer a voz da sua mãe desde o nascimento e a prefere entre
as outras vozes. O bebê é sensível à fala materna e também às emoções. Graças à
sua capacidade de percepção, o bebê compreende por associações internas o
estado emocional de uma pessoa, aquisição essencial no mundo real para uma
aprendizagem correta das competências sociais e empáticas (Mastropieri &
Turkewitz, 1999). O recém-nascido é assim capaz de diferenciar o conteúdo
emocional trazido por uma voz feminina (tristeza versus felicidade), mas unicamente se esta voz se exprime na sua
língua materna (Mastropieri & Turkewitz, 1999).
A voz e a língua materna são fatores muito
importantes para que a criança possa reconhecer o que lhe é familiar. Mas, o
bebê é sensível à maneira como a mãe se comporta com ele, se a sua mãe responde
de uma maneira adequada às suas vocalizações, o bebê aprende novas formas
vocais, mas se ela não responde de forma adequada, o bebê não aprende. Isto
mostra que existe uma influência do comportamento da mãe no aprendizado da fala
do bebê (Goldstein e Schwade, 2008). A mãe é uma figura essencial no
desenvolvimento psico-emocional-cognitivo da criança. Porém, assim
como constatou Winnicott (1969), a mãe pode odiar seu feto desde o começo. E
existem mães que conseguem adaptar às necessidades de um filho, mas não com o
outro. Isto pode ser um entrave para o desenvolvimento harmonioso do bebê.
Segundo
Winnicott (1956), ele ressalta a importância do relacionamento mãe-bebê em sua
etapa inicial, do bebê enquanto um ser independente. A mãe está numa condição
de sensibilidade extrema durante e principalmente ao final da gravidez. Este
período chamado de preocupação materna primária tem uma duração de apenas
algumas semanas após o nascimento do bebê e este estado é dificilmente
recordado pelas mães depois que o ultrapassam como se na memória, ele fosse
reprimido.
A mãe
seja ela biológica ou adotiva tem a capacidade para cuidar do bebê, ela pode
atingir este estado de preocupação materna primária, na medida da sua
capacidade de identificar-se com o bebê. Poderíamos supor que o bebê também
precisará identificar-se com a mãe adotiva para poder representá-la.
Representações da mãe adotiva
A mãe adotiva tem a tarefa de cuidar de alguém
que não é o seu fruto. Ela vai ser o substituto da mãe biológica. Contudo, o
seu objetivo é ter uma relação com a criança de forma mais natural possível. O
bebê se desenvolverá segundo a qualidade desta relação. De fato, o
desenvolvimento psicológico da criança pode ser descrito por etapas. Os
“organizadores” de Spitz são processos de transição. Conforme o autor, a
criança passa por transformações fundamentais permitindo ir de um estado ao
outro (Spitz, 1993). Um traumatismo durante uma transição terá consequências
específicas. Assim, uma ruptura afetiva durante um período de transição pode
acarretar graves consequências no desenvolvimento da criança. Se o nascimento
foi durante muito tempo considerado como um episódio traumático, principalmente
por Freud, não seria na verdade mais adequado afirmar que uma ruptura do
vínculo mãe e bebê, seria o acontecimento traumatizante?
Para tratarmos desse trauma, precisaríamos
entender melhor o que se passa com o bebê nos primeiros meses de vida. Durante
o parto, o bebê passa de um período de dependência total, literalmente
fusional, a uma obrigação de autonomia. Após o nascimento, a criança aprende a
se nutrir, se esquentar, se ventilar sozinho, etc. No começo, a mãe é
considerada como um objeto parcial. Ela não é reconhecida como outra pessoa,
como um pensamento diferente. O recém-nascido a imagina a seu serviço. A mãe
responde instintivamente às necessidades da criança o que lhe dá um sentimento
de exclusividade. A mãe é como uma extensão de seu pensamento. Ela é um intermediário
entre o mundo externo e si mesmo.
Assim, o narcisismo primário corresponde a esta
ilusão da criança, de que ele seja autossuficiente, já que ele não se distingue
de sua mãe. É somente nas primeiras semanas que a criança percebe que uma fonte
externa é a origem das respostas aos seus desejos: “nas primeiras 6 semanas, um
traço mnésico do rosto humano imprime na memória do recém-nascido, como o
primeiro sinal da presença da pessoa que gratifica suas necessidades” (Spitz,
1993). Podemos-nos imaginar as consequências da separação deste casal, desta
díade fusional em caso de abandono da criança, se nenhum substituto maternal
não intervenha. Trata-se principalmente do que ocorre com as crianças
abandonadas. Foi o caso das crianças alocadas nos orfanatos romenos, por
exemplo, (Dayan, 2008). A situação dos orfanatos romenos foi muito documentada
na década de 1990 pelas mídias internacionais, destacando a necessidade da
comunidade internacional responder aos problemas do grande numero de órfãos
negligenciados no país.
O que podemos notar é que por volta dos dois
meses, o bebê já é capaz de representar a sua mãe biológica. Será que o que o
bebê em questão é capaz de representar também a mãe adotiva ou ele representa
as duas mães? Sera que cada uma vai ocupar um lugar diferente, a biológica de
funções primárias e a adotiva de complemento? Na verdade, não existem respostas
às essas questões, o que veremos a seguir é a adaptação do bebê adotado às duas
realidades (duas mães).
Representação das duas mães
Assim que aparecem as primeiras falas, a mãe
adotiva pode sentir dificuldades em aceitar a palavra “mãe” que lhe foi
adereçada. Porém, o bebê consegue se adaptar bem à nova realidade, à nova mãe.
A pessoa que tornou o substituto de sua mãe biológica é uma variável maior na
organização psíquica do bebê e na surgição dos laços afetivos de boa qualidade.
O trauma da ruptura do primeiro vínculo materno, pode ser solucionado por uma
adaptação da mãe substituta em cuidar do seu filho. Winnicott
concorda com a psicanalista Anna Freud ao fato de não culpabilizar a mãe por
suas falhas; os desapontamentos e as frustações são inseparáveis da relação
mãe-criança. Embora, a mãe pode ocupar um dos dois lugares possíveis segundo a
sua qualificação, entre suficiente boa ou não. O lugar de mãe suficiente boa
ocorre a partir do momento em que o ambiente possibilita ao bebê alcançar um
estado optimal do seu desenvolvimento e contrariamente, no ambiente não
suficiente bom, o bebê não pode se desenvolver adequadamente.
Antes de tudo, o que se almeja é uma
relação “saudável” entre duas pessoas, o que pode ser chamado de
« equilíbrio homeostático » (Mahler, 1954 citado por Winnicott, 1956)
ou também de harmonização afetiva (Stern, 1985) em que o autor apresenta
que uma harmonização transmodal (entre os dois protagonistas) permite uma
sintonia entre os estados afetivos de cada um. Este fenômeno, considerado como
“o relacionamento simbiótico”, pode ser verificado na relação mãe-bebê, assim
que a mãe é biologicamente condicionada para a sua tarefa de cuidar, ela dispõe
de um cuidado atentivo com as necessidades do bebê. A mãe pode ser consciente
ou não da relação que possui com o seu bebê. De fato, existe uma identificação
da mãe com o bebê e uma dependência do bebê em relação à mãe.
O bebê apesar de frágil às circunstâncias da
vida, ele é um ser ativo que demanda e interpela a atenção do outro. Ainda bem
que existem mães suficientes boas para cuidar de crianças que a principio não
eram os seus frutos, mas que com o tempo uma verdadeira relação mãe e filho
tenha se instaurado.
Conclusão
As representações precoces são
multissensoriais. O bebê pode representar o outro e o seu mundo porque ele é
capaz de sentir. O bebê sente (tactilmente, ouve, “degusta”, cheira e vê) todos
que o cercam, ou seja, se começa pela mãe, biológica e/ou adotiva para em
seguida relacionar com todos os outros membros da família.
Os bebês adotados,
o mais cedo possível, se favorecem das noções de adaptação. O cérebro do bebê
no seu primeiro ano de vida não está completamente formado e as novas
experiências com os outros seres humanos permitem uma configuração adequada do
mesmo devido à plasticidade cerebral e as noções de epigenética. Haverá, assim,
um período de « gravidez ex-útero », durante o primeiro ano de vida do
bebê, no qual ele tem uma grande necessidade de contato e calor, indispensáveis
ao bom desenvolvimento de seu cérebro e de seu ser. O acolhimento é uma
condição de segurança e é uma maneira de preencher a necessidade de maturação e
desenvolvimento.
Com efeito,
independentemente do substituto, se ele for suficiente bom, o trauma da ruptura
do laço primário não será tão abrupto e o bebê desta forma, poderá tornar
presente a sua mãe biológica através da mãe que o acolheu.
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